4.4
(7)

Viagens Alucinantes
Original:Altered States
Ano:1980•País:
Direção:Ken Russell
Roteiro:Paddy Chayefsky
Produção:Howard Gottfried
Elenco:William Hurt, Blair Brown, Bob Balaban, Charles Haid, Thaao Penghlis, Miguel Godreau, Drew Barrymore, Charles White-Eagle

Ken Russell é um diretor que venho descobrindo muito devagar ao longo dos anos. Meu último contato com algum trabalho dele foi com Os Demônios, filme que já falei sobre aqui no Boca do Inferno. Outro, e esse marcou minha juventude, foi a adaptação da ópera-rock Tommy (1975), marco na carreira do The Who em fins da década de 1970. E outro que já está na ponta da agulha é o Mulheres Apaixonadas, de 1969, uma adaptação da obra de mesmo título de D.H. Lawrence (mesmo autor do, em outros tempos, polêmico, O Amante de Lady Chatterlay).

Por essas poucas informações, já dá pra sacar que o Ken Russell é um cara controverso, antenado, chegado numa polêmica, num tabu, numa quebra da normalidade, e é possível dizer, a partir do contato que tive, que sua obra é marcada por esses elementos. Pegando só esses trabalhos que citei (e mesmo o Mulheres Apaixonadas, o qual não vi, mas já li o livro), o que temos é um amálgama de sexo, morte, referências religiosas e assuntos “proibidões” em geral, que juntos compõem uma simbologia forte e muitas vezes indigestas para os mais tradicionalistas. No bonzão Viagens Alucinantes, a fórmula se repete.

Lançado em 1980, Viagens Alucinantes chega com uma premissa difícil de engolir para alguns: um cientista quer (porque quer) provar que, ao contrário do que as religiões de um modo geral afirmam, há um Eu original e comum a  todos, e ele é localizável e tangível a partir da mente. O argumento é a memória, que, enquanto energia humana, impregnada nos nossos átomos, pode ser utilizada como uma trilha fisiológica, pela qual é possível retroceder até um estado de consciência primitivo (e coletivo), onde, ao cabo, ele “tocaria” a tal Mente Individual, o Eu original, ou simplesmente Deus. Um dos anseios mais básicos da condição humana. Por que não tentar?

A ação do filme se dá nas tentativas de alcançar esses estados alterados que indicam o título original do filme com o fim de embarcar nessa jornada. Pra quem já foi com Fringe e voltou com Stranger Things, vai reconhecer com alegre familiaridade aqueles tanques de isolamento em que se faziam experiências psíquicas em porões de universidades na década de 1960. Boa parte do filme se passa nesses tanques, em laboratórios, e são nesses momentos que acontecem as sequências mais interessantes.

Isso porque esses roteiros costumam extrapolar as possibilidades, e aqui não é diferente. A possibilidade de “tocar” o plano psíquico não deixa o protagonista Eddie (William Hurt) sair impune de sua brincadeira proibida.

O tal “rastro de memória”, que ele segue em busca de uma consciência primitiva, provoca também “regressões genéticas”, deformações no corpo e outras bizarrices nauseantes promovidas pelos efeitos especiais da época. Muitas das boas cenas de terror e suspense vêm desses momentos.

Os efeitos visuais são aquela coisa típica dos sci-fi da década de 70, somados a uma boa maquiagem. A sequência final, inclusive, em que Eddie embarca em sua última trip no tanque de isolamento e chega ao ápice de sua experiência, lembra muito a sequência clássica de viagem espacial do final de 2001 – só que aqui, em vez de uma odisseia no espaço, o que temos é uma odisseia intracelular, tão psicodélica quanto, e uma referência bem direta à trip de 2001 (de fato, há quase um entrelaçamento entre as duas propostas).

Fora essas primeiras impressões, temos aqui uma narrativa rápida, acelerada como a mente de seu protagonista. Cortes rápidos nos jogam anos à frente na vida de Eddie, e só temos conhecimento disso pela ambientação e algumas nuances no roteiro. A partir da segunda metade, a narrativa cresce em tensão, assim como o fanatismo (ironicamente, quase religioso) de Eddie, levando-o a seus momentos mais extremos.

A crítica moral e religiosa, bem típica da obra de Ken Russell,  aqui é “argumentada” sob o ponto de vista da ciência, logo, esse viés está presente em praticamente todas as falas dos personagens. As imagens “chocantes“, retratos polêmicos e carregados de simbolismo recorrentes em seus filmes, também estão presentes aqui, chegando ao espectador por meio das alucinações de Eddie, que, na busca por uma verdade geral, acaba entrando cada vez mais na sua verdade individual – e sendo por ela alterado, psíquica e fisicamente.

Nessa toada, o roteiro de Paddy Chayefsky nos leva a um passeio pelos avançados debates intelectuais da década de 1970: neurociência, psicologia, antropologia, medicina, muitas teorias que se fundem num corpo maior, que começa como uma crítica à religiosidade, mas encerra quase como uma reafirmação dela. Um loop mental, quase um bug, maravilhoso de acompanhar e sentir. Filmão!

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1 comentário

  1. Filmado de prender atenção do início ao fim nota10

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