Godzilla
Original:Gojira
Ano:1954•País:Japão Direção:Ishirô Honda Roteiro:Ishirô Honda, Shigeru Kayama, Takeo Murata Produção:Tomoyuki Tanaka Elenco:Akira Takarada, Momoko Kôchi, Akihiko Hirata, Takashi Shimura, Fuyuki Murakami, Sachio Sakai, Toranosuke Ogawa, Ren Yamamoto, Hiroshi Hayashi |
Falar de Godzilla em pleno século XXI é chover no molhado. A gigantesca ameaça radioativa que aterrorizou o Japão na década 1950, apesar de um esforço inspirado pelo momento (Japão pós-guerra e pós bombas atômicas), já rendeu quase 40 filmes divididos em diversas séries japonesas, americanas, animações, filmes “solo”, séries animadas e outros, o que tornou o rei dos monstros num dos mais conhecidos do “panteão” dos monstros do cinema.
Ainda que a qualidade da maior parte desses filmes seja pra lá de duvidosa, o produto original, aquele lançado pela Toho Film Company Ltd. em 1954, sob a direção de Ishirō Honda, pode ser considerado um marco do cinema mundial, não só pela qualidade técnica apresentada (principalmente para a época de lançamento), mas pelo valor cultural e histórico intrínseco, que fez com que a obra ultrapassasse os limites do tempo e do espaço, com um enredo que, de forma simbólica, se mistura à história do seu país de origem.
E esse enredo todo mundo já conhece: animal gigantesco com ares de pré-histórico e único de sua espécie surge nos mares japoneses e passa a atacar embarcações e vilarejos litorâneos. Medo e pânico geram ofensivas contra o gigante, o que faz com ele avance cada vez mais ilha adentro, com o caos marcando sua passagem por Tóquio. Nesse ínterim, cientistas tentam entender a origem do monstro, e a conclusão mais óbvia apontada pelas evidências, os rastros de radiação deixados pelo bichão, é se tratar de uma mutação provocada pelo uso de armas nucleares na região (alusão à explosão das bombas atômicas que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki menos de dez anos antes).
Num filme de monstro desse porte, a primeira coisa que chama atenção são os efeitos visuais, e o trabalho feito por Eiji Tsuburaya, um dos gênios em efeitos especiais do período (com dezenas de trabalhos no currículo, como filmes das franquias King Kong, Godzilla, Mothra, da série Ultraman e muitos outros) é de arrepiar. A baixa iluminação nas cenas de destruição também favorece o realismo das cenas e o uso do suitmation (atores vestidos de monstros).
E apesar da técnica elegante de Honda, o que chama atenção mesmo são os “bastidores” que a crise “Godzilla” instaura nos governos locais. O embaraço provocado pelas relações políticas acelera o avanço do monstro sobre as cidades japonesas, criando uma sinuca em que pouco nada resta a se fazer nos momentos de ápice.
Outro ponto forte é observar as paisagens japonesas, não só as urbanas e rurais (e sua destruição), mas também as sociais. O roteiro, impecável, dá conta de uma lenda local que fala de um monstro marinho nos moldes do próprio Godzilla, um medo profundo que emana das classes mais pobres, geralmente aquelas que habitam os vilarejos rurais e litorâneos, e que se consolida em meio ao temor nuclear.
Esse olhar sobre a subjetividade do povo também está presente nos centros urbanos. Uma das cenas que mais me chamou atenção, por exemplo, envolve a conversa entre três pessoas no metrô lendo um jornal e comentando as notícias sobre o Godzilla. Enquanto uma debocha nervosamente da outra dizendo “o Godzilla vai te pegar”, a outra reage com um “Não faça esse tipo de brincadeira. Escapei por pouco de Nagasaki e agora isso”, enquanto suspira de cansaço e ansiedade. O amigo segue lembrando a rotina nos abrigos subterrâneos dos anos anteriores, e supõe que isso voltaria a acontecer com a chegada do Godzilla. Já pensou?!
Godzilla segue, quase 70 anos depois, o filme mais consistente entre todos os lançados sobre o monstro desde então. Shin Godzilla (2016) chega bem perto, mas só isso, pois já se trata de uma releitura. O original ainda guarda muito da atmosfera que levou à criação desse “monstro cultural”, que pode ser lido como um símbolo desse momento muito particular e definitivo da história japonesa.
A partir daqui, no entanto, Godzilla seria percebido como um produto muito rentável para a indústria cinematográfica. Não foi premiado como merecia, mas rendeu mais de uma franquia (as “eras” Showa, Heisei, Millenium, o MonsterVerse americano, além de animações e filmes “solo”). Na maioria dos exemplares, esse caráter político se perdeu, dando lugar a filmes de monstros, ora divertidos, ora indefensáveis, ora hipócritas, vários deles inéditos no Brasil, inclusive. É um universo interessante de mergulhar, mesmo que nem sempre valha o esforço. Mas se você está procurando cinema, a indicação é só uma: Godzilla, de 1954.
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Na minha opinião, esse é, além da melhor versão já feita do Godzilla, o melhor filme de monstros gigantes de todos os tempos. Uma representação bastante literal do trauma causado nos japoneses pela bomba atômica. As outras versões, de 1998 e 2014, são filmes divertidos, mas não tem o mesmo impacto, muito menos a mesma importância histórica.
Vocês poderiam falar também sobre a primeira versão de King Kong que, a propósito, completou noventa anos agora em 2023.