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Quando, em 1898, há exatos 118 anos, Herbert George Wells (1866-1946) publicou o clássico livro A Guerra dos Mundos, a ficção científica ainda era um gênero praticamente desconhecido. Não havia um alicerce suficientemente sólido para ela se firmar, mas haviam dezenas de contos e romances, na maioria escritos por Edgar Allan Poe, Júlio Verne, Arthur Conan Doyle, Edgar Rice Burroughs e pelo próprio Wells, que permitiram pouco a pouco que esse incompreendido gênero literário se firmasse. Até que, a partir da década de 20, ele viesse a fazer parte de uma significativa e volumosa demanda literária.

No entanto, antes mesmo de A Guerra dos Mundos, Wells já havia publicado três outros grandes clássicos do gênero, que apesar de serem pouco compreendidos em termos científicos, alcançaram tremendo sucesso popular, – A Máquina do Tempo (1895), A Ilha do Dr. Moreau (1896) e O Homem Invisível (1897).

A Guerra dos Mundos (1953) (7)Seria “chover no molhado” dizer que esses romances, somados aos de Júlio Verne e a alguns trabalhos de Poe, moldaram definitivamente a ficção científica, mas quando se trata de obras seminais e divisoras, nunca é exagero homenageá-las. A Guerra dos Mundos é uma dessas obras.

Marte, na mitologia grega, era o Deus da Guerra, e porquê não imaginar que um planeta vermelho, cor de sangue e com esse mesmo nome não haveria de ser o berço de seres guerreiros e conquistadores? E assim Wells os imaginou.

Vagando pelos confins insólitos do espaço sideral, criaturas tentaculares, frias e insensíveis olham a Terra e nela vêem a única saída para sua civilização decadente e exaurida. Mas eles não se limitam a observar e resolvem se apossar dela, fazendo-o sem cerimônia ou contatos de boa-vinda, introduzindo-se pela violência incontida e arrasadora. São recepcionados por seres humanos frágeis e primitivos, que nada podem fazer para deter suas gigantescas naves de guerra e seus mortíferos raios de calor. A invasão ocorre em Londres e em poucos dias a cidade não é mais que uma massa amorfa de ruínas e catástrofes. Destruição total. Alguns corajosos humanos ainda tentam levantar uma resistência, mas em vão – os marcianos são infinitamente superiores e desejam mesmo levar à extinção a civilização terrestre. E quando tudo parecia perdido, eis que surgem as primitivíssimas bactérias do terceiro planeta do sol e fazem o serviço que nós, humanos, fomos incapazes de fazer: sem defesa contra nossas doenças (benditas sejam!), os marcianos finalmente morrem.

Com esse argumento pesado e que, creio, todos já devem conhecer “de-cór-e-salteado“, Wells criou a mais fantástica e envolvente história de invasão alienígena de todos os tempos.

Mas não se limitou a isso apenas: aproveitando-se da ficção científica e de uma história fantasiosa e improvável, o escritor lançou uma profunda crítica aos métodos colonizadores europeus de sua época, que brigavam, numa luta ferrenha e mesquinha, pela chamada “Partilha da África“, que ocorreu em fins do século XIX. Ou seja, para se compreender profundamente A Guerra dos Mundos (pelo menos o lado social que Wells tanto explorava em suas obras) é necessário estudar os seus antecedentes políticos e sociais. Estudando-os, vemos claramente o que o escritor quis dizer: Os europeus – os marcianos conquistadores com nenhuma consideração pelos nativos; Os africanos – os terrestres indefesos e vítimas de uma cultura tecnologicamente mais avançada. É uma temática profundamente contestadora e irônica, mas não é esse lado socialmente mordaz que fascina os leitores, e sim a sua ideia pura e simples de uma invasão alienígena. E versões radiofônicas, cinematográficas e televisivas não pouparam a obra.

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Em 1938, o então desconhecido radialista e cineasta Orson Welles tornou-se célebre na América e seu nome apareceu nos jornais de todo o mundo quando fez a adaptação radiofônica de A Guerra dos Mundos. Milhares de pessoas acreditaram que o território americano estivesse sendo invadido por seres vindos de Marte, tendo havido mesmo um início de pânico, que culminou numa crescente paranoia estérica criada por ouvintes desinformados. Em torno do acontecimento realizou-se um inquérito sociológico que teve sucesso devido ao pitoresco das descrições. O grande efeito do programa, no entanto, foi devido às modificações introduzidas por Welles na véspera da emissão. O espetáculo anunciava-se sem muito interesse, sendo excessivamente narrativo. Mas para gerar um medo ainda mais incontido e para aumentar sua comunicabilidade, a ação foi transposta de Londres em 1898, para o interior dos EUA no presente. Se bem que o programa fosse anunciado nos moldes habituais, a representação iniciou-se como notícias de última hora intercaladas num número musical. As primeiras descrições foram feitas num estilo de comunicado oficial, lidos por vozes que não conseguiam esconder a emoção. O resultado ultrapassou as expectativas e foi facilitado pela atmosfera de inquietação causada pela crescente crise européia, que culminara na capitulação diplomática de Munique. Diz-se que, quando alguns anos depois, num domingo tranquilo, os rádios deram as primeiras notícias sobre o ataque a Pearl Harbour (ataque promovido pelos japoneses em 7 de dezembro de 1941 durante a Segunda Guerra Mundial), muitas pessoas julgaram tratar-se de uma nova transmissão realizada por Orson Welles.

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Entretanto, seria no cinema que a obra ganharia sua versão mais conhecida e mais elogiada.

O planeta Marte sempre foi e com certeza sempre será um dos mais interessantes e misteriosos do sistema solar, a despeito de ser o nosso vizinho. Na literatura ele já foi explorado exaustivamente em inúmeros trabalhos de qualidade, e no cinema a história não é outra. Na década de 50, por exemplo, houve a incrível marca de pelo menos um filme por ano que focalizava sua atenção no planeta vermelho. Ainda que nem todas sejam verdadeiramente competentes e de qualidade, essas obras se mostram incrivelmente agradáveis e nostálgicas exatamente pelo seu modo inocente e despretensioso de conduzir a história, como podemos notar em filmes como O Mistério do Disco-Voador (1950), Voando para Marte (1951), O Planeta Vermelho Marte (1952), Invasores de Marte (1953), Devil Girls from Mars (1954) e Vinte Milhões de Léguas de Marte (1955), entre outros.

Mas adivinhem qual o livro que inspirou a obra-prima marciana da década de 50!?

Dirigido por Byron Haskin e produzido pelo genial George Pal em 1953, A Guerra dos Mundos (War of the Worlds) é considerado um dos grandes clássicos do cinema de ficção científica. Assim como Orson Welles, George Pal, em parceria com o roteirista Barré Lyndon, transferiu a ação da Inglaterra para os EUA, além de adicionar alguns elementos contemporâneos que tornaram a obra um verdadeiro deleite para os amantes das histórias de invasões, principalmente os magníficos efeitos especiais produzidos pelos especialistas Gordon Jening, Paul Lerpae e Wallace Kelley.

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E foi incrível o número de analogias ridículas e paranoicas que o filme suscitou nos amedrontados cidadãos americanos por causa da Guerra Fria. Principalmente as “sutis” mudanças introduzidas por Pal, como os próprios alienígenas – que de polvos gosmentos e enrugados se transformaram em humanoides vermelhos (!) com três dedos e um só grande olho de três cores. No entanto, amparado por uma grande produção, a direção segura de Haskin e os efeitos especiais que até hoje são considerados perfeitos, A Guerra dos Mundos é um dos grandes clássicos do gênero e funciona como diversão absoluta, independente de similaridades paranoicas. É um trabalho insuperável, demonstrando a incrível familiaridade de George Pal com a ficção científica e com H. G. Wells, já que voltaria ao tema sete anos depois, quando realizaria sua versão da também clássica novela A Máquina do Tempo (The Time Machine). Desta vez ele mesmo dirigiria a obra, além de ter sido o responsável pela sua produção.

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A sua grande jogada, no entanto, com a A Guerra dos Mundos, foi a introdução do excelente prólogo explicativo que acrescentou à obra, onde o telespectador é guiado, através da arte fantástica de Chesley Bonestell, aos confins longínquos do sistema solar, para explicar os motivos pelos quais os marcianos escolheram a Terra para dela se apoderar. A abertura se tornou famosíssima entre os americanos, sendo realmente fantástica.

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Mas a exploração da obra de Wells estava apenas “começando“. Em 1988, A Guerra dos Mundos virou série de TV, com argumento centrado na obra de Wells e uma espécie de aproveitamento das ideias já utilizadas por Pal: 35 anos depois, novos marcianos chegam à Terra, encontram um jeito de destruir as bactérias e continuam a invasão.

Versões em quadrinhos também não pouparam o clássico da ficção científica, sendo adaptado centenas de vezes em todo o mundo, além de inspirar milhares de histórias de invasões.

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Em 1955, a história original ganhou uma famosa versão em quadrinhos pela “Classic Illustrated” na edição 124, e em 1977 pela “Marvel Classic Comics” no número 14. Mas foi entre 1973 e 1976 que a história teve a sua variante mais arrojada, numa espécie de minissérie que foi do número 18 ao 39 da clássica revista norte-americana de HQ “Amazing Adventures“. Nessa versão, os marcianos retornam no ano de 2001 e dão início à nova conquista da Terra, mas um grupo de humanos resistem à invasão, que se alastra numa gigantesca guerra, e em 2075 os marcianos finalmente caem. No Brasil, A Guerra dos Mundos teve uma ótima versão em 1976 quando foi adaptada pela “Bloch Editores” na edição número 9 do segundo ano de “Clássicos de Pavor“.

Como podem ver, a clássica invasão imaginada por Wells em fins do século XIX ainda não esgotou suas possibilidades, demonstrando ser uma obra moderna, apesar de ser a pioneira no tema, alargando margens e infinitas possibilidades e incontáveis meios de adaptação. É só saber aproveitá-la.

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