4.4
(8)

A Vampira Nua
Original:La vampire nue
Ano:1970•País:França
Direção:Jean Rollin
Roteiro:Jean Rollin, Serge Moati
Produção:Jean Lavie
Elenco:Caroline Cartier, Olivier Rollin, Maurice Lemaître, Bernard Musson, Jean Aron, Ursule Pauly, Marie-Pierre Castel, Michel Delahaye, Paul Bisciglia

O cinema de Jean Rollin é despojado e indecente, mas envolto em arte e simbolismo. Pode enquadrá-lo também como experimental e envolto em misticismo, ou simplesmente como produto do “eurotrash” e do exploitation, mas não tão vulgar quanto Jesús Franco. A linguagem trafega pela arthouse pela mesma via do horror, o que torna a experiência de apreciar um filme como A Vampira Nua (La Vampire Nue, 1970) com a profundidade de um gótico psicodélico do que apenas testemunhar corpos desnudos e insinuações de sexo. Ao final, dentro de seu próprio universo onírico, o filme alcança postos mais elevados dentro do subgênero “vampirismo“, bastante explorado na época. É estranho e fascinante.

A Vampira Nua já transborda essas sensações na primeira cena. No que parece ser um laboratório – ou uma cozinha com tubos de ensaio coloridos e material de mistura e análise -, um grupo de mascarados com jalecos está prestes a fazer um exame em uma moça também camuflada, com olhos penetrantes. Retiram toda sua roupa, à exceção da máscara, antes de extraírem seu sangue, enquanto a câmera de Rollin capta mamilos e o bumbum da examinada. Na cena seguinte, uma moça (Caroline Cartier, creditada como Christine François), depois compreendida como a mesma do início, é vista em fuga de um casarão, sendo perseguida por pessoas vestindo máscaras de cavalo, gato, boi, alce e até galo, remetendo a Judex (1963), com a trilha combinando com o jogo de sombras e movimento, enquanto ela percorre ambientações e cruza com um rapaz pelo caminho, um rosto desmascarado, o primeiro que ela vê. Pierre (Oliver Rollin, irmão do cineasta) tenta ajudá-la a fugir, mas logo são encurralados em um túnel, ela é baleada, e o rapaz consegue escapar. Oito minutos sem um diálogo qualquer, só representações simbólicas e pouco sutis do cineasta. O jovem segue os mascarados conduzindo o corpo da fugitiva, imune ao ferimento, até um clube privado, mas não tem o acesso necessário para entender o que acontece ali.

Ele sabe que o local, em Saint Louis, tem a influência de seu pai, o milionário Georges Radamante (Maurice Lemaître), que organiza eventos para ricos da região na busca por uma resposta. Com o apoio do amigo e artista Robert (Pascal Fardoulis), visto em situação insinuante com uma mulher em seu estúdio, Pierre descobrirá que se trata de um culto suicida, que tenta encontrar meios de viver para sempre com estudos que envolvem o sangue de uma vampira. Mas a jovem conta com o apoio de um grupo de hippies, com acesso interdimensional (!!!), liderados pelo Grão-Mestre (Michel Delahaye), e que pretende assegurar o segredo da vampira nua, nem que para isso seja preciso um iminente confronto.

Terceiro longa-metragem de Jean Rollin e primeiro com fotografia colorida – ele havia tocado em temas vampirescos em La Voil de Vampire (1968) -, A Vampira Nua é trabalhado em imagens que fazem referências a pinturas e poemas na primeira parceria do cineasta com Jean-Jacques Renon. Seus conceitos estranhos vão além de sua própria concepção, quando até mesmo o personagem racional Pierre enxerga o absurdo ao discutir com o pai sobre o clube misterioso, enquanto é atendido por duas gêmeas (Marie-Pierre e Catherine Castel, depois vistas em outros trabalhos de Rollin) com vestimentas de alienígenas de ficção científica bagaceira. Os apoiadores da vampira também são dos mais esquisitos, principalmente depois que são vistos em sua aparência “normal“, com longos cabelos vermelhos (na verdade, são linhas de tricô grossas), residentes numa praia, guardados por duas sentinelas num casarão. Mais esquisito que isso? Impossível.

Até mesmo os personagens que deveriam entender o que acontece, como os dois ricos ajudantes de Georges Radamante, também não sabem o que está acontecendo, como no diálogo abaixo:

“Você entendeu tudo isso?”
“Acho que ela é uma vampira e Radamante a prendeu por 20 anos.”
“Mas afinal ela é uma vampira?”
“Eu não sei. Os experimentos não foram conclusivos.”
“… a única coisa que descobri é que o sangue dela não pertence a nenhum grupo conhecido.”
“É um pouco precipitado deduzir que ela é uma vampira. Talvez seja tão vampira quanto eu e você.”
“Você esqueceu dos imortais.”
“Essas coisas acontecem.”
“Radamante deve ter pensado que um dia a família dela iria buscá-la.”
“Se Pierre não tivesse interferido, os vampiros não nos encontrariam. Ele fez amor com a vampira, acredita?”
“Mas ela é mesmo uma vampira?”
“Ela é alguma coisa. Vampira ou lobisomem, estamos ferrados.”

Seja lá o que for, o que se sabe é que A Vampira Nua é um interessante cartão de visitas para se conhecer o cinema peculiar de Jean Rollin. Profundo e ousado, envolto em devaneios experimentais, não se camufla em apenas um estilo, permitindo diversas formas de apreciação.

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2 Comentários

  1. O cinema de Jean Rollin é, decididamente, muito mais uma experiência sensorial, para ser sentido, experimentado, do que entendido como uma narrativa linear. Grande filme.

  2. Jean Rollin não foi ele quem fez Les Raisins de la Mort, algo assim, também? Esse cara aí é singular mesmo, até por quê ele é de outra época. hahaha Pelo visto sempre tem muito dessa fantasia sútil, como vou dizer? Essa insinuação de loucura e coisas sem tanto sentido em suas obras. Bem como a nudez, né? Se ele tiver feito também um ou outro filme erótico não me surpreenderia. Pro cara com uma smart tv, botar um filme de youtube lá e assistir a essa parada aí, não é tão ruim, assino embaixo.

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