Coven – Parte II disfarçada de American Horror Story: Apocalypse

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Tramas apocalípticas proporcionam entretenimento e estudos sobre comportamentos sociais. Seja livro, filme, jogo ou qualquer vertente do subgênero, colocar personagens em situações extremas, intensas e claustrofóbicas transmitem uma curiosa sensação de insegurança e pessimismo, além de permitir uma análise sobre relacionamentos em condições similares. Nem é preciso ir muito longe na pesquisa para encontrar produções de zumbis, monstros gigantes, doenças contagiosas e mortais, com teor religioso e profético e envoltas em desastres naturais. Foi com essa expectativa animadora que conferi a oitava temporada de American Horror Story intitulada Apocalypse, ainda mais com um episódio inicial bastante promissor, exibido em 12 de setembro de 2018.

The End” já empolga ao mostrar a humanidade em busca de abrigos para sobreviver a um ataque com mísseis nucleares. A rica e futura influencer Coco St. Pierre Vanderbilt (Leslie Grossman) é surpreendida enquanto dava um trato no visual no cabeleireiro spa do Sr. Gallant (Evan Peters), com sua assistente Mallory (Billie Lourd). Recebendo informes sobre a iminente destruição, ela propõe uma fuga em seu jato particular, deixando para trás seu namorado Brock (Billy Eichner). O grupo encontra segurança com o apoio de uma organização conhecida como “The Cooperative“, que ainda leva dois jovens que podem ajudar na reconstrução do mundo, Timothy (Kyle Allen) e Emily (Ash Santos).

Após a explosão e com a América coberta por uma poeira radioativa, transformando humanos em seres deformados, no abrigo, Posto Avançado 3, são recebidos pela Sra. Wilhemina Venable (Sarah Paulson) e seu braço direito, Sra. Miriam Mead (Kathy Bates), que apresenta no ambiente subterrâneo as regras de convivência, a partir da divisão em grupos pela importância social, sendo roxo na identificação da elite, e os de roupa cinza, como empregados. Alimentados com pequenos cubos e tendo que ouvir a mesma música constantemente, um deles é forçadamente considerado culpado e condenado à morte, servindo de alimentação para os demais.

Dezoito meses depois, com baixo abastecimento de comida, eles são visitados por um tal Michael Langdon (Cody Fern), que diz existir um local mais seguro, nomeado como Santuário, e que fará testes em todos para saber qual é digno para partir para o novo endereço. No segundo episódio, “The Morning After“, dirigido por Tiago Wong, o interrogatório acontece, enquanto Gallant é seduzido pelo Homem de Borracha, personagem que, curiosamente, ele assumiu a vestimenta em Murder House, acreditando ser uma investida do próprio Langdon. Quando uma das regras do Posto é burlada, com Timothy e Emily se relacionando sexualmente, ambos são condenados à morte, mas no ato da execução, o rapaz consegue pegar a arma do carrasco e atira em Mead, revelando que ela não é humana.

Ao final do terceiro, acontece o grande ponto de virada da temporada, enfraquecendo o que até então caminhava muito bem. Em “Forbidden Fruit“, de Loni Peristere, Venable inicia um plano de extermínio para ser a única a merecer o Santuário, envenenando maçãs. Durante a entrevista com Mallory, ela revela ter um poder obscuro, uma identidade escondida, assim como o lado satânico de Langdon é apresentado. No Halloween do Posto, com os sobreviventes mascarados, todos comem as maçãs, no momento em que chega ao local Brock para se vingar de Coco. Com a morte de todos, à exceção de Langdon, chegam ao local três bruxas de Coven: Cordelia Goode (Paulson), Madison Montgomery (Emma Roberts) e Myrtle Snow (Frances Conroy), sendo que estas duas últimas causando estranhamento por terem morrido na terceira temporada.

Em “Could It Be… Satan?“, de Sheree Folkson, as três bruxas ressuscitam Coco, Dinah e Mallory, já indicando que uma batalha está por vir. Assim, o tal apocalipse é tomado por flashbacks para entender como a situação chegou a esse extremo, mostrando como Madison foi resgatada de seu inferno pessoal, como se formou a “Hawthorne School for Exceptional Young Men” composta por feiticeiros que veneram Langdon como o anticristo, uma versão masculina da Suprema, e a saída de Queenie (Gabourey Sidibe), presa no Hotel Cortez da temporada Hotel. Outras personagens de Coven também reaparecem, como Zoe (Taissa Farmiga), Misty Day (Lily Rabe), também trazida de volta e Nan (Jamie Brewer), ainda parceira do Papa Legba (Lance Reddick).

Langdon faz o teste das Sete Maravilhas, e traz preocupação para Cordelia. Para entender a natureza do rapaz, ela envia Madison e Behold (Billy Porter), um dos feiticeiros já demonstrando incômodo com o líder satânico, para a antiga Murder House, no sexto e nostálgico episódio da temporada, intitulado “Return to Murder House“, na estreia de Sarah Paulson na direção. Além de voltar à ambientação sinistra, personagens que protagonizaram a estreia de American Horror Story retornam como o Dr. Ben Harmon (Dylan McDermott), analisando o comportamento de Tate (Peters), a esposa Vivien (Connie Britton), Violet (Farmiga), a empregada Moira (Conroy) e, a mais esperada, Constance (Jessica Lange, que foi nomeada ao prêmio de “Melhor Atriz Convidada” pelo 17º Gold Derby Awards e ganhou).

Morando no local como assombrações, Madison e Behold realizam um ritual e conseguem se comunicar com os fantasmas locais, resolvendo conflitos como o de Moira e Constante, além de Ben e sua situação com Vivien, Violet e a não aceitação de um novo Tate. Ali, descobrem que Langdon é realmente o anticristo, nascido a partir de Vivien em relação com Tate. Em referência ao clássico A Profecia, ele convence de sua relação demoníaca pelo 666 encontrado atrás de sua orelha – também há uma referência “isso é por você” -, levando ao local o satânico Anton LaVey (Carlo Rota) e seguidoras como Samantha Crowe (Naomi Grossman) e Miriam Mead. Em conflito pela identidade, o rapaz chega a procurar ajuda em uma seita e até participando de um ritual de sacrifício.

Assim, como se percebe, Apocalypse nada mais é do que Coven – Parte II. O Apocalypse do título é apenas a proposta de tentar evitar a ascensão do Anticristo, tentar entender como houve a destruição em massa e a relação com o rapaz, numa conexão absurda com “os iluminatis” – é ver para crer. Para facilitar o enredo, é apresentado um ritual que permite uma viagem ao tempo para evitar uma tragédia, necessitando da força de Mallory, apresentando-se como uma bruxa poderosa. O crescimento dela é proporcional ao enfraquecimento de Cordelia, como aconteceu com Fiona em Coven. A (segunda) volta de Myrtle também é justificada exatamente por essa condição debilitada, precisando de conselhos e de apoio.

Apocalypse ainda faz algumas escolhas equivocadas. Numa delas, dão um terceiro papel a Evan Peters e um segundo para Billy Eichner, respectivamente como Jeff Pfister e Mutt Nutter, e a dupla parece ter sido inspirada nos personagens Debby & Loide, com cortes de cabelo “tigelinha”, trapalhadas e brincadeiras idiotas entre eles. E o pior é que os dois são os grandes responsáveis pelo apocalipse, tendo Wilhemina como uma funcionária abaixo deles. Não sei qual foi a intenção desse acréscimo, mas impactou diretamente na avaliação final.

Paulson também teve um terceiro personagem, resgatando sua Billie Dean Howard de Murder House – ela já havia feito uma aparição rápida em Roanoke. E chega a ser engraçado quando outros cruzam com ela, como Madison, e não veem semelhança com Cordelia ou com a falecida Wilhemina. Assim como Madison, quando cruza com Violet e não nota similaridade com a bruxa Zoe. Esse multiverso American Horror Story é bastante complexo, com tantos rostos repetidos.

Com um final comum, e apenas um leve toque pessimista, American Horror Story Apocalypse ficou bem distante das melhores temporadas. Até é compreensível essa mistura de personagens e anos pela necessidade de voltar a ter bons números no box office, perdidos nas duas últimas. Teve até uma boa recepção dos críticos, principalmente com o retorno de Jessica Lange, mas precisaria muito mais para figurar entre as melhores de American Horror Story. Uma pena que deixaram a originalidade inicial de lado para voltar à zona de conforto, o que já dá sinais de desgaste criativo.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

3 thoughts on “Coven – Parte II disfarçada de American Horror Story: Apocalypse

  • 09/01/2024 em 13:17
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    Algumas correções:
    1 – Os feiticeiros não aguardavam Langdon como Anticristo, mas como O Alpha, esse sim a versão masculina da Suprema;
    2- A médium Billie Dean Howard não apareceu em Roanoke, mas sim na temporada Hotel.

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  • 21/12/2023 em 23:29
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    Ahs apocalypse é uma das minhas temporadas favoritas, ela é de longe a menos assustadora mas o crossover das temporadas mais populares serviu e muito bem para o público. Ainda mais dps de redimir alguns personagens como a Madison e a fizeram protagonizar as melhores cenas da temporada.

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