Blood Ranch (2006)

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Blood Ranch
Original:Blood Ranch
Ano:2006•País:EUA
Direção:Corbin Timbrook
Roteiro:Antonio Hernandez, Corbin Timbrook
Produção:Corbin Timbrook
Elenco:Jim Fitzpatrick, Dayton Knoll, Scott L. Schwartz, Season Hamilton, Daniel O'Meara, Madeleine Wade, Mike Faiola, Asad Farr, John Marrott

A tendência do cinema de horror atual é a exposição nua e crua de atos de violência e tortura. Alimentando os sádicos, são pontos pacíficos a audiência e apreciação dos fãs do gênero por cenas que envolvem uma pessoa presa, sendo mutilada por um psicopata, geralmente um vilão deformado – para justificar os motivos de seus atos -, que usa objetos cirúrgicos, instrumentos de reforma e a própria linguagem agressiva. Essa propenção foi resgatada em 2003 com o sucesso da refilmagem do clássico O Massacre da Serra Elétrica (1974) e continuou presente em Pânico na Floresta (2003), Casa dos 1000 Corpos (2003), Alta Tensão (2003), Detour (2003), Rota 666 (2003), Plataforma do Medo (2004), Rejeitados pelo Diabo (2005), A Casa de Cera (2005), Wolf Creek – Viagem ao Inferno (2005), O Albergue (2005), Viagem Maldita (2006), e a lista não encerra por aí, com todas as produções inspiradas em clássicos das décadas de 70 como Aniversário Macabro (1972), Amargo Pesadelo (1972), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Quadrilha de Sádicos (1977). E o que mais assusta é constatar que todos os filmes citados tiveram como fonte de inspiração verdadeiros assassinos em série como Ed Gein, que mutilava suas vítimas e usava os ossos e a pele como acessórios de vestuário e móveis em sua fazenda do horror. Mais uma vez é a prova de que o verdadeiro medo não oriunda de seres sobrenaturais, mas de pessoas comuns.

Blood Ranch (2006) é mais um exemplo dessa inclinação. Trata-se uma produção de baixo orçamento, com muitos defeitos técnicos e elenco desconhecido, lançada diretamente para o vídeo em junho de 2006, nos EUA. Uma breve pesquisa num sistema de busca na internet e o resultado é surpreendente: a grande maioria a considera um bom exemplar do gênero, inclusive com afirmações exageradas de que o filme seria melhor até do que a nova versão do clássico de Wes Craven, Viagem Maldita. Não é tudo isso. Há seus bons momentos de violência e sadismo – que dão uma aula ao músico-diretor Rob Zombie -, porém o roteiro sem originalidade e a direção fraquíssima reduzem a produção a uma cópia mal-feita de tudo o que já foi mostrado antes. A narrativa da obra pode ser resumida usando a velha sequência narrativa montanha-russa: começa bem devagar, vai se tornando assustador, começa a empolgar, acaba de forma abrupta e decepcionante. Depois fica a sensação de já ter experimentado isso antes, deixando um gosto amargo de quase perda de tempo.

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O filme começa com quatro jovens, recém-formados da faculdade, viajando de carro através do deserto de Nevada em direção ao famoso festival Burning Man. São eles: Jen (Season Hamilton), Mark (Mike Faiola), Jason (Dayton Knoll) e Val (Madeleine Lindley, que esteve no péssimo Prisioneiros das Trevas). Com conversas típicas da idade mental, o grupo discute questões filosóficas como o destino e o livre arbítrio: são suas escolhas que determinam o caminho de sua vida ou o destino que as determina?, diz Jason, depois de atirar seu livro de filosofia pela janela. Não é preciso dizer que essa disciplina e o seu uso será de extrema importância no ato final do longa. Algum tempo depois, o grupo dá carona a um rapaz na estrada, Alex (Daniel O’Meara), ex-combatente do Vietnã, a caminho do mesmo festival. Seria um típico Edwin Neal, o ator que interpretou o caronista do clássico O Massacre da Serra Elétrica (1974)? Não, o pesadelo está apenas sendo construído.

Atrás de papel para Val preparar sua erva, eles decidem parar num posto de gasolina e aproveitar para abastecer o veículo. No local, acompanhamos a conversa ao telefone de uma aflita atendente, e que já dá uma pista do que poderá acontecer em breve. Ela diz que o movimento está lento, mas que conseguirá o que eles querem e pede para não machucarem uma garota. Enquanto isso, Mark encontra uma assustadora menina cega, vestindo um pijaminha e carregando uma boneca amarrada pelo pescoço. O diálogo é importante registrar:

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– Olá.
– Por favor, não fale comigo.
– Por quê?
– Isso me deixa triste.
– O que te deixa triste?
– Não quero sentir sua falta quando você morrer.
– Não se preocupe com isso. Todos morreremos um dia, faz parte da vida.
– Mas, nem todos morremos assassinados.

Minutos depois, essa mesma menina entrará na loja de conveniência e dirá a frase clichê de vários Sexta-Feiras 13: Vocês todos vão morrer lá. Num processo que lembra Pânico na Floresta e Viagem Maldita, a atendente indica uma estrada já desativada e ainda oferece gasolina para o resto da viagem, dando mais pistas do horror iminente. Seguindo o conselho recebido, o grupo se despede e continua o passeio, pelas estradas do deserto, sob um sol escaldante. Em mais uma citação ao gênero, desta vez ao Massacre da Serra Elétrica (2003), eles quase atropelam uma jovem que caminha no sentido contrário com as roupas rasgadas e o rosto sujo de sangue. Ela vomita no carro e não dá uma pista sequer do local de onde poderia estar vindo – imaginei que a qualquer momento ela fosse tirar um revólver das pernas e estourar os miolos. Mesmo crente que a jovem fugira do inferno, eles a colocam no carro e continuam o trajeto pelo deserto.

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Pouco tempo depois, cruzam com um furgão negro vindo em sentido contrário. O carro faz a meia-volta e passa a persegui-los, tentando tirá-los da estrada a todo custo, lembrando a genial introdução de Olhos Famintos. Alex, o caronista, pede que encostem o veículo, desce, saca um revólver e dá vários tiros contra o carro negro, que se afasta rapidamente. No entanto, ao tentar parar o carro na velocidade em que estava, acabam quebrando o eixo da roda ao bater numa pedra. Sem ter aonde ir motorizado, o que resta aos jovens é caminhar pelo deserto em busca de algum abrigo e resgate, deixando no local a jovem que encontraram na estrada e o amigo Jason.

Será que esses jovens não assistem a filmes de terror ou leem noticiários policiais? Quantos sinais serão necessários para eles perceberem que estão no caminho errado? Vejamos: dão carona para um estranho armado; param num posto onde uma menina fala assassinatos na estrada; encontram uma mulher esquisita pedindo carona; são perseguidos por um furgão… Eles praticamente estão andando por uma corda bamba sobre um precipício. E o que mais incomoda é a tranquilidade deles diante de tantos acontecimentos estranhos…

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Os sinais continuam… No meio do nada, encontram um assustador espantalho, cujo rosto aparenta ter sido feito com pele humana, circundado por diversas covas caseiras. Ainda assim, apesar de todos os avisos, eles continuam o percurso até um estranho rancho localizado na região. Lá, pedem ajuda a um homem misterioso chamado Spider (Jim Fitzpatrick, irreconhecível) e aceitam a hospitalidade aparente, sem saber que estão adentrando os portões do inferno. Toda essas cenas descritas acima acontecem nos primeiros 20 minutos do filme. Os outros 70 não precisam ser detalhados. Basta saber que no local, eles enfrentarão um grupo grande de homens esquisitos, alguns deformados, e lutarão pela sobrevivência de todas as formas possíveis.

Blood Ranch ou Rancho Sangrento é um filme extremamente mal dirigido, o que me faz pensar se o diretor, Corbin Timbrook, o fez assim de propósito para dar uma impressão de produção amadora, mais próxima da realidade. A cena de perseguição dos carros é tão ruim na escolha dos ângulos – sempre no interior de um dos veículos -, não deixando a menor sensação de tensão nos espectadores. Há outros momentos ruins, que justificam a condução fraca, como quando uma garota é atacada por vários homens, que a chutam pelo chão, até cortarem sua garganta. O ângulo escolhido para a cena permite ao público perceber que eles não estão agredindo-a de verdade. Mas, não é preciso pensar muito: Corbin Timbrook é o mesmo individuo que comandou o horroroso Prisioneiros das Trevas.

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Se o diretor é fraco, o elenco é pior ainda. Atores sem o menor carisma não nos permitem torcer por seus personagens. Por exemplo, eu só descobri que a menina era cega, porque um dos rapazes comentou a respeito. Para mim, era apenas uma criança esquisita e sem emoções. A garota encontrada na estrada também é pouco convincente. Reparem no momento ridículo, digno de gargalhadas, quando ela tenta tirar a arma de um dos assassinos, do furgão negro. Os seus gestos lembram aqueles jogos de luta de fliperama, tipo Street Fighter, antes que é dado o sinal para início do combate. O único que se salva é o veterano Jim Fitzpatrick, mais conhecido por seu papel em séries de TV como Supernatural, JAG e ER. Ele também esteve presente em O Ajudante de Satã (2004), Armageddon (1998), entre outros trabalhos.

Spider é simplesmente insano. Faz Otis Driftwood (Bill Moseley) e o Capitão Spaulding (Sid Haig), ambos personagens dos filmes A Casa dos 1000 Corpos (2002) e Rejeitados pelo Diabo (2005), parecerem apenas crianças más. As formas como ele justifica suas atitudes maléficas e conduz o racho da morte são dignas de um ser completamente abominável. Infelizmente, o final do filme faz cair por terra todo o seu brilhantismo quando Alex o engana através de sua filosofia de quinta-série. È uma pena realmente.

Além do Spider, o filme apresenta outros seres dementes escondidos no rancho: um gigante mudo (Scott L. Schwartz, que fez ponta em centenas de filmes como Homem-Aranha, Onze Homens e Um Segredo, entre outros), um anão, e um estranho personagem com personalidade infantil, usando uma máscara de gato – talvez numa breve citação ao Leatherface -, são apenas algumas das criaturas psicóticas do local. Há inclusive um que lembra o xerife do filme O Massacre da Serra Elétrica (2003), conduzindo o furgão negro em companhia de outro assassino.

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Quanto à violência, apesar de nem sempre explícita, Blood Ranch não deixa a desejar. Começando pela imagem perturbadora de várias garotas presas como gado, aguardando a hora morte; o filme também apresenta cenas gráficas de tortura e sadismo, com direito aos clássicos ganchos tão comuns na franquia O Massacre da Serra Elétrica, além do uso de uma motosserra contra o corpo de uma jovem. Temos estupro, dardos, facadas e até mordidas, enchendo a tela de sangue e cabeças decepadas, para deleite dos fãs. Toda a violência tendo como fundo as músicas clássicas que tocam no rancho e servem para abafar o grito de desespero das vítimas.

Escrito pelo estreante Antonio Hernandez, Blood Ranch deixa várias perguntas sem resposta: como aquele rancho existe há tanto tempo sem a interferência da polícia, se o local está cheio de vítimas e pessoas desaparecidas? Nenhum helicóptero passa pelo local? Quem é exatamente a garota a quem se refere a atendente do posto? Se a estrada está desativada, por que não há sinais que indiquem isso como materiais de construção, placas de aviso? A aranha do final está apenas se referindo ao personagem Spider?

Com inúmeras falhas técnicas, o filme é recomendado apenas para os fãs de horror e bagaceiras sangrentas e que não se importam em conferir uma história repetida, buscando vísceras e membros decepados como base fundamental de uma produção do gênero! É uma colcha de retalhos… mutilada, e com intestinos à mostra.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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